Duas vezes, naquella minha adolescencia


L. do D.

Duas vezes, naquella minha adolescencia que sinto longinqua, e que, por assim sentil-a, me parece uma cousa lida, um relato intimo que me fizessem, gosei a dor da humilhação de amar. Do alto de hoje, olhando para traz, para esse passado, que já não sei designar nem como longinquo nem como recente, creio que foi bom que essa experiencia da desillusão me acontecesse tão cedo.

Não foi nada, salvo o que passei commigo. No aspecto externo do assumpto intimo, legiões humanas de homens teem passado pelas mesmas torturas. Mas (...)

Cedo demais obtive, por uma experiencia, simultanea e conjuncta, da sensibilidade e da intelligencia, a noção de que a vida da imaginação, por morbida que pareça, é comtudo aquella que calha aos temperamentos como é o meu. As ficções da minha imaginação (posterior) podem cansar, mas não doem nem humilham. Ás amantes impossiveis é tambem impossivel o sorriso falso, o dolo do carinho, a astucia das caricias. Nunca nos abandonam, nem de qualquer modo nos cessam.


Título: Duas vezes, naquella minha adolescencia
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: I
Número: 282
Página: 317 - 318
Nota: [5-50, dact.];