São sempre cataclysmos do cosmos


São sempre cataclysmos do cosmos as grandes angustias da nossa alma. Quando nos chegam, em torno a nós se erra o sol e se perturbam as estrellas. Em toda a alma que sente chega o dia em que o Destino nella representa um apocalypse de angustia — um entornar dos ceus e dos mundos todos sobre a sua desconsolação.

Sentir-se superior e ver-se tratado pelo Destino como inferior aos infimos — quem pode vangloriar-se de estar homem em tal situação.

Se eu um dia pudesse adquirir um rasgo tão grande de expressão, que concentrasse toda a arte em mim, escreveria uma apotheose do somno. Não sei de prazer maior, em toda a minha vida, que poder dormir. O apagamento integral da vida e da alma, o afastamento completo de tudo quanto é seres e gente, a noite sem memoria nem illusão, o não ter passado nem futuro, (...)


Título: São sempre cataclysmos do cosmos
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: II
Número: 338
Página: 77 - 78
Nota: [5-50, dact., pt.];