Carta a Adolfo Casais Monteiro, 13 de Janeiro de 1935


Carta a Adolfo Casais Monteiro

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Como escrevo em nome desses três?... Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares que aliás em muitas coisas se parece com Alvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocinio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de "tenue" à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer "eu próprio" em vez de "eu mesmo", etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado.
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(em 13 de Janeiro de 1935)


Título: Carta a Adolfo Casais Monteiro, 13 de Janeiro de 1935
Heterónimo: Não atribuído
Número: 0
Página: 46 - 47
Data: 13-01-1935
Nota: [E15, 2719-6r, dact.];
Nota: Na edição de Jacinto do Prado Coelho, Maria Aliete Galhoz transcreve excertos desta carta num conjunto de testemunhos iniciais de Fernando Pessoa sobre o "Livro do Desassossego" (1982: XXXV-XLVII).