Ha um cansaço da intelligencia abstracta
L. do D.
Ha um cansaço da intelligencia abstracta e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço pela emoção. É um peso da consciencia do mundo, um não poder respirar com a alma.
Então, como se o vento nellas désse, e fossem nuvens, todas as idéas em que temos sentido a vida, todas as ambições e designios em que temos fundado a sperança na continuação d'ella, se rasgam, se abrem, se afastam tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser. E por traz da derrota surge pura a solidão negra e implacavel do céu deserto e estrellado. O mysterio da vida doe-nos e apavora-nos de muitos modos. Umas vezes vem sobre nós como um phantasma sem fórma, e a alma treme com o peor dos mêdos — a da incarnação disforme do não-ser. Outras vezes está atraz de nós, visivel só quando nos não voltamos para ver, e é a verdade toda no seu horror profundissimo de a desconhecermos.
Mas este horror que hoje me annula, é menos /nobre e mais roedor/. É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as cellulas do corpo e da alma. É o sentimento subito de se estar enclausurado numa cella infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cella é tudo?
E então vem-me o desejo transbordante, absurdo, de uma especie de satanismo que precedeu Satan, de que um dia — um dia sem tempo nem substancia — se encontre uma fuga para fóra de Deus e o mais profundo de nós deixe, não sei como, de fazer parte do ser ou do não ser.