A vulgaridade é um lar
L. do D.
A vulgaridade é um lar. O quotidiano é materno. Depois de uma incursão larga na grande poesia, aos montes da aspiração sublime, aos penhascos do transcendente e do occulto, sabe melhor que bem, sabe a tudo quanto é quente na vida, regressar á estalagem onde riem os parvos felizes, beber com elles, parvo tambem, como Deus nos fez, contente do universo que nos foi dado e deixando o mais aos que trepam montanhas para não fazer nada lá no alto.
Nada me commove que se diga de um homem que tenho por louco ou nescio, que supera a um homem vulgar em muitos casos e conseguimentos da vida. Os epilepticos são, na crise, fortissimos; os paranoicos raciocinam como poucos homens normaes conseguem discorrer; os delirantes com mania religiosa aggregam multidões de crentes como poucos (se alguns) demagogos as aggregam, e com uma força intima que estes não logram dar aos seus sequazes. E isto tudo não prova senão que a loucura é loucura. Prefiro a derrota com o conhecimento da belleza das flores que a victoria no meio dos desertos, cheia de cegueira da alma a sós com a sua nullidade separada.
Que de vezes o proprio sonho futil me deixa um horror á vida interior, uma nausea physica dos mysticismos e das contemplações. Com que pressa corro de casa, onde assim sonhe, ao escriptorio; e vejo a cara do Moreira como se chegasse finalmente a um porto. Considerando bem tudo, prefiro o Moreira ao mundo astral; prefiro a realidade á verdade; prefiro a vida, vamos, ao mesmo Deus que a creou. Assim m'a deu, assim a viverei. Sonho porque sonho, mas não soffro o insulto proprio de dar aos sonhos outro valor que não o de serem o meu theatro intimo, como não dou ao vinho, de que todavia me não abstenho, o nome de alimento ou de necessidade da vida.