Ninguem comprehende outro



L. do D.

14-6-1932

Ninguem comprehende outro. Somos, como disse o poeta, ilhas no mar da vida; corre entre nós o mar que nos define e separa. Por mais que uma alma se esforce por saber o que é outra alma, não saberá senão o que lhe diga uma palavra — sombra disforme no chão do seu entendimento.

Amo as expressões porque não sei nada do que exprimem. Sou como o mestre de Santa Martha[?]: contento-me com o que me é dado. Vejo, e já é muito. Quem é capaz de entender?

Talvez seja por este cepticismo do intelligivel que eu encaro de egual modo uma arvore e uma cara, um cartaz e um sorriso (Tudo é natural, tudo artificial, tudo egual). Tudo o que vejo é para mim o só visivel, seja o ceu alto azul de verde branco da manhã que ha de vir, seja o esgar /falso/ em que se contrahe o rosto de quem está a soffrer perante testemunhas a morte de quem ama.

Bonecos, illustrações, paginas que existem e se voltam. Meu coração não está nelles nem quasi minha attenção que os percorre de fóra, como uma mosca por um papel.

Sei eu sequér se sinto, se penso, se existo? Nada: só um eschema objectivo de cores, de fórmas, de expressões de que sou o espelho oscillante por vender inutil.