Reconheço, não sei se com tristeza



Reconheço, não sei se com tristeza, a seccura humana do meu coração. Vale mais para mim um adjectivo que um pranto [?] real da alma. O meu mestre Vieira [...]

Mas às vezes sou differente, e tenho lagrimas, lagrimas das quentes, dos que não teem nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem de essas lagrimas mortas, ardem dentro do meu coração.

Não me lembro da minha mãe. Ella morreu tinha eu um anno. Tudo o que ha de disperso e duro na minha sensibilidade, vem da ausencia d'esse callor e da saudade inutil dos beijos de que me não lembro. Sou postiço. Acordei sempre contra seios outros, accalentado por desvio.

Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena?

Sou todas essas coisas, embora o não queira, no fundo confuso da minha sensibilidade fatal.

Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indifferença sentimental. Quem, em creança, me apertou contra a cara não me podia apertar contra o coração. Essa estava longe, num jazigo — essa que me pertenceria, se o Destino houvesse querido que me pertencesse.

Disseram-me, mais tarde, que minha mãe era bonita, e dizem que, quando m'o disseram, eu não disse nada. Era já apto de corpo e alma, desentendido de emoções, e o fallar ainda não era uma noticia de outras paginas, difficeis de imaginar.

Meu pae, que vivia longe, matou-se quando eu tinha trez annos e nunca o conheci. Não sei ainda porque é que vivia longe. Nunca me importei de o saber. Lembro-me da noticia da sua morte como de uma grande seriedade às primeiras refeições depois de se saber. Olhavam, lembro-me, de vez em quando para mim. E eu olhava de troco, entendendo estupidamente. Depois comia com mais regra, pois talvez, sem eu ver, continuassem a olhar-me.