PERISTILO | Às horas em que a paisagem
Às horas em que a paisagem é uma auréola de Vida, e o sonho é apenas sonhar-se, eu ergui, ó meu amor, no silêncio do meu desassossego, este livro estranho como portões abertos ao fim duma alameda abandonada.
Colhi para escrevê-lo a alma de todas as flores e dos momentos efémeros de todos os cantos de todas as aves, teci eternidade e estagnação. Tecedeira (...), sentei-me à janela da minha vida e esqueci que habitava e era, tecendo mortalhas para o meu tédio amortalhar, toalhas do linho casto para os altares do meu silêncio, (...)
E eu ofereço-te este livro porque sei que ele é belo e inútil. Nada ensina, nada faz crer, nada faz sentir. Regato que corre para um abismo — cinza que o vento espalha e nem fecunda nem é daninho, (...) pus toda a alma em fazê-lo, mas não pensei nele fazendo-o, mas só em mim que sou triste e em ti que não és ninguém.
E porque este livro é absurdo, eu o amo; porque é inútil, eu o quero dar; e porque de nada serve querer-to dar, eu to dou...
Reza por mim o lê-lo, abençoa-me com ama-lo e esquece-o como o Sol de hoje ao Sol de ontem (como eu esqueço aquelas mulheres nos sonhos que nunca soube como se sonharam).
Torre do Silêncio das minhas ânsias, que este livro seja o luar que te fez outra na noite do Mistério Antigo!
Rio de Imperfeição dolorida, que este livro seja o barco deixado ir por tuas águas abaixo para acabar mar que se sonhe.
Paisagem do Alheamento e de Abandono, que este livro seja teu como a tua Hora e se ilimite de ti como da Hora de púrpura aziaga.