[FIGURAS DOS CAFÉS] Comparados com os homens simples e autênticos


Comparados com os homens simples e autênticos, que passam pelas ruas da vida, com um destino natural e calhado, essas figuras dos cafés assumem um aspecto que não sei definir senão comparando-as a certos duendes de sonhos — figuras que não são de pesadelo nem de mágoa, mas cuja recordação, quando acordamos, nos deixa, sem que saibamos porquê, um sabor a um nojo passado, um desgosto de qualquer coisa que está com eles mas que se não pode definir como sendo deles.

Vejo os vultos dos génios e dos vencedores reais, mesmo pequenos, singrar na noite das coisas, rasgando com proas desdenhosas, sem dificuldade nem sequer conhecimento, esse mar de sargaço de palha de garrafas e aparas de cortiça, ali se resume tudo, como no chão do saguão do prédio do escritório, que, visto através das grades da janela do armazém, parece uma cela para prender lixo.


Título: [FIGURAS DOS CAFÉS] Comparados com os homens simples e autênticos
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 359
Página: 300
Nota: [1-23, dact.];
Nota: Teresa Sobral Cunha integra este texto na sequência '[FIGURAS DOS CAFÉS]' (2008: 296-300).