Adoramos a perfeição, porque a não podemos ter


L. do D.

Adoramos a perfeição, porque a
não podemos ter; repugnal-a-hiamos,
se a tivessemos. O perfeito é o des-
humano, porque o humano é imperfeito.

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O odio surdo ao paraiso — o desejo como o
da pobre infeliz de [que] houvesse campo no
céu. Sim, não são os extases do ab-
stracto, nem as maravilhas do absoluto,
que podem encantar uma alma que
sente: são os lares e as encostas dos
montes, as ilhas verdes nos mares azues,
os caminhos atravez de arvores e as
largas horas de repouso nas quintas
ancestraes, ainda que as nunca tenhamos.
Se não houver terra no céu, mais
vale não haver céu. Seja então tudo
o nada, e acabe o romance que
não tinha enredo.

Para poder obter a perfeição, fôra
precisa uma frieza de fóra do homem;
e não haveria então coração de
homem com que amar a propria perfeição.

Pasmamos, adorando, da tensão para
o perfeito dos grandes artistas.
Amamos a sua approximação do perfeito,
porém a amamos porque é só appro ximação.


Identificação: bn-acpc-e-e3-1-1-89_0057_28_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.6cm X 19.4cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Data: 1930 (high)
Nota: LdoD, Texto escrito na metade superior de uma folha de "Sobre um Manifesto de Estudantes".
Fac-símiles: BNP/E3, 1-28r.1