A habilidade em construir sonhos complexos fez-me criar obstáculos inúteis na vida.
Na destruição da unidade do meu espírito, libertei pequenos impulsos, bem capazes de se inibirem e esconderem, por subtis e fortes, mas grandes bastante para serem sacrificadamente instintos, instintos realizáveis.
Sonhando, tanto, tornei-me nítido no sonho, mas, chegando ao ao ver-me em sonhos tal qual sou, feio e grotesco, a condução do próprio sonho me faltou.
Nem posso ter compaixão de mim, porque não chego a ser corcunda ou coxo ou maneta. Sou totalmente inestético.
Como saber de amor se nem em sonhos me julgo digno disso?
A TRAGÉDIA DO ESPELHO
Os antigos mal se viam a si próprios. Hoje vemo-nos em todas as posições. Daí o nosso pavor e o nosso nojo por nós.
Todo homem precisa para poder viver e amar de se idealizar a si próprio (e, no fim, àqueles a quem ame). Amamo-nos por isso. Desde o momento em que me visiono e me comparo a um ideal, não muito alto, ainda baixo, de beleza humana, desisto da vida real e do amor.
O falso sentimento estético dos gregos.
Que infeliz devia ser um povo que concebia tais estátuas e era (por força) tão imperfeito fisicamente, como todo o homem real!
Isto é, os gregos seriam muito infelizes se sentissem isso. Mas não há traços desse sentimento na literatura deles. É que esse sentimento é puramente moderno. O homem antigo não tinha a objectivação da própria personalidade. Isso viria através [do] (e mostra-se no) cristianismo.
Mesmo uma mulher bela não satisfaz como uma estátua. Porque uma mulher é bela e outras coisas — físicas e morais — que não são a beleza. Uma estátua é só bela. (É só pedra além disso, mas a pedra não é nada para nós, por isso a desprezamos, olhando só a beleza.