A TRAGÉDIA DO ESPELHO | A minha imagem, tal qual eu a via


A minha imagem, tal qual eu a via nos espelhos, andou sempre ao colo da minha ternura. Eu não podia ser senão curvo e débil como sou, mesmo nos meus pensamentos.

Tudo em mim é um príncipe de cromo colado no álbum velho de uma criança que morreu sempre há muito tempo.

(Amar-me é ter pena de mim.)

Um dia, lá para o fim do futuro, alguém escreverá sobre mim um poema e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino:

— Senhor, não vos aflijais!

Não me aflijo... A minha dor é tão bela que eu nem sei como a sofrer... É a coroa que eu nunca terei e o manto régio que nunca será o meu.

Deus é o existirmos e isto não ser tudo.


Título: A TRAGÉDIA DO ESPELHO | A minha imagem, tal qual eu a via
Heterónimo: Vicente Guedes
Número: 302
Página: 245
Nota: [94-75, dact.];
Nota: Teresa Sobral Cunha edita este texto na sequência 'A TRAGÉDIA DO ESPELHO' (2008: 244-246).