e do alto da majestade


L. do D.

e do alto da majestade de todos os sonhos, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa.

Mas o contraste não me esmaga — liberta-me; e a ironia que ha nelle é sangue meu. O que devera humilhar-me é a minha bandeira, que desfraldo; e o riso com que deveria rir de mim, é um clarim com que saúdo e /gero/ uma alvorada em que me faço.

A gloria nocturna de ser grande não sendo nada! A majestade sombria de esplendor desconhecido... E sinto, de repente, o sublime do monge no ermo, do eremita no retiro, inteirado da substancia do Christo nas pedras e nas cavernas do afastamento.

E na meza do meu quarto sou menos reles, empregado e anónimo, escrevo palavras como a salvação da alma [...] annel de renuncia em meu dedo evangelico, joia parada do meu desdem extatico.


Título: e do alto da majestade
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: I
Número: 41
Página: 41 - 42
Nota: [1-59, ms.];