Tudo quanto de desagradavel


L. do D.

Tudo quanto de desagradavel nos succede na
vida — figuras ridiculas que fazemos, maus gestos que
temos, lapsos em que cahimos de qualquer das virtudes —
deve ser considerado como meros accidentes
externos, impotentes para attingir a substancia
da alma. Tenhamo-los como dores de dentes,
ou callos, da vida, coisas que nos in-
commodam mas são externas ainda que nossas,
ou que só tem que soffrer a nossa existencia organica
ou que preoccupar-se o que ha de vital em nós.

Quando attingimos esta attitude, que é, em outro
modo, a dos mysticos, estamos defendidos não só
do mundo mas de nós mesmos, pois vence-
mos o que em nós é externo, é outrem,
é o contrario de nós e porisso o nosso inimigo.

Disse Horacio, fallando do varão justo recto,
que ficaria impavido ainda que em
torno d'elle ruisse o mundo. A imagem
é absurda, justo o seu sentido. Ainda que
em torno de nós rua o que fingimos que
somos, porque coexistimos, devemos ficar
impavidos — não porque sejamos justos mas porque
somos nós, e sermos nós é nada ter que ver
com essas coisas externas que ruem, ainda que
ruam sobre o que para ellas somos.


A vida deve ser, para os melhores, um
sonho que se recusa a confrontos.


Identificação: bn-acpc-e-e3-2-1-91_0047_24_t24-C-R0150 | bn-acpc-e-e3-2-1-91_0048_24v_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.7cm X 21.6cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Manuscrito (pencil) : Testemunho manuscrito a lápis.
Data: 1932 (low)
Nota: LdoD, Texto escrito em recto e verso de uma folha inteira.
Fac-símiles: BNP/E3, 2-24.1 , BNP/E3, 2-24.2