Viajar? Para viajar basta existir


L. do D.

Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre eguaes e sempre differentes, como, afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.

"Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo". Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consummou, dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o principio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens teem paisagem. Porisso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como ás outras. Para que viajar? Em Madrid, em Berlim, na Persia, na China, nos Polos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no typo e genero das minhas sensações?

A vida é o que fazemos d'ella. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.


Título: Viajar? Para viajar basta existir
Heterónimo: Não atribuído
Número: 371
Página: 370
Data: 1931 (high)
Nota: [2-51r];