O mundo, monturo de forças instinctivas
L. do D.
o mundo, monturo de forças instinctivas, que em todo o
caso (todavia) brilha ao sol com tons palhetados de ouro cla-
ro e escuro.
Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras,
são productos da mesma força cega, operando uma vez atravez
de microbios inconscientes, outra vez atravez de raios e
aguas inconscientes, outra vez atravez de homens inconscien-
tes. Um terramoto e um massacre não teem para mim differen-
ça senão a que ha ∧entre assassinar com uma faca e assassinar
com um punhal. O monstro immanente nas cousas tanto se serve
— para o seu bem ou o seu mal, que, ao que parece, lhe são
indifferentes — da deslocação de um pedregulho na altura ou
da deslocação do ciume ou da cubiça
num coração. O pedregulho cahe, e mata um homem; a cubiça
ou o ciume armam um braço, e o braço mata um homem. Assim é
o mundo, monturo de forças instinctivas, que todavia brilha
ao sol com tons palhetados de ouro claro e escuro.
Para fazer face à brutalidade de indifferença, que con-
stitue o fundo visivel das coisas, descobriram os mysticos
que o melhor era repudiar. Negar o mundo, virar-
se d'elle como de um pantano a cuja beira nos encontrassemos.
Negar como o Buddha, negando-lhe a realidade absoluta; negar
como o Christo, negando-lhe a realidade relativa; negar
Não pedi à vida mais do ∧senão que ella me não exigisse ∧pedisse nada.
∧Á porta da cabana que não tive sentei-me ao sol
que nunca houve, e gozei ∧a
∧velhice futura da
minha realidade cansada. (com o prazer de a
não ter ainda) Não ter morrido ainda basta
para os pobres da vida, e ter ainda a esperança
para
contente com o sonho só quando não estou sonhando, contente
com o mundo só quando sonho longe d'elle. Pendulo oscillan-
∧te, sempre movendo-se para não chegar, indo só para voltar,
preso eternamente á dupla fatalidade de um centro e de um
movimento ∧inutil.