L. do D.
Dizem que o tedio é uma doença de inertes, ou que ataca só os que nada teem que fazer. Essa molestia da alma é porém mais subtil: ataca os que teem disposição para ella,
e poupa menos os que trabalham, ou fingem que trabalham (o que para o caso é o mesmo) que os inertes deveras.
Nada ha peor que o contraste entre o esplendor natural da vida interna, com as suas Indias naturaes e os seus paizes incognitos,
e a sordidez, ainda que em verdade não seja sordida,
de quotidianidade da vida. O tedio peza mais quando não tem a desculpa da inercia.
O tedio dos grandes exforçados é o peor de todos.
Não é o tedio a doença do aborrecimento de
nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada. E, sendo assim, quanto mais ha que fazer, mais tedio há que sentir.
Quantas vezes ergo do livro onde estou escrevendo e que trabalho a cabeça vazia de todo o mundo! Mais me valera estar inerte, sem fazer nada, sem ter que fazer nada, porque esse tedio, ainda que real, ao menos o gosaria. No meu tedio presente não ha repouso, nem nobreza, nem bem-estar em que haja mal-estar: ha um apagamento enorme de todos os gestos feitos, não um cansaço virtual dos gestos por não fazer.