Edição do Arquivo LdoD - Usa (BNP/E3, 4-76-77r)

A minha vida é tão triste


                L. do Des.

A minha vida é tão triste, e eu
nem penso em choral-a;
as minhas horas tão falsas,
e eu nem sonho o gesto
de partil-as.
            ─────

Como não te sonhar? Como não te sonhar?

Senhora das Horas que
Passam, Madona das
aguas estagnadas e das algas
mortas, Deusa Tutelar
dos desertos abertos e das
paysagens negras de rochedos
estereis... — livra-me da minha
mocidade.

Consoladora dos que não
teem consolação, Lagryma
dos que nunca choram,
Hora que nunca sôa — livra-
me da alegria e da felicidade.


2
— Opio de todos os silencios,
Lyra para não se tanger,
Vitral de lonjura e de
abandono — faze com que eu
seja odiado pelos homens e
escarnecido pelas mulheres.

— Cymballo de Extrema-Uncção,
/ Caricia sem gesto, Pomba morta
á sombra, Oleo das horas
passadas dormidas na inconsciencia a sonhar — livra-
me da religião, porque
é suave; e da descrença porque
é forte; .

— Lyrio fanando á tarde,
Cofre de rosas murchas,
Silencio entre prece e prece —
enche-me de nojo de viver,
de ódio de ser são, de
desprezo por de ser jovem.


3

Torna-me inutil e esteril,
ó Acolhedora de todos os sonhos
vagos; faze-me puro sem
razão para o ser, e falso
sem amôr a sel-o, ó Agua-
Corrente das Tristezas Vividas;
que a minha bôca seja uma paysagem
de gêlos, os meus olhos dois lagos
mortos, os meus gestos um esfolhar
lento de arvores velhinhas — ó
Ladainha de Desasocegos, ó Missa-Rôxa
de Cansaços, ó Corolla, ó Fluido,
ó Ascensão!...
            ─────

(E) Que pena eu ter de te rezar
como a uma mulher, e
não te querer                 como a
um homem, e não te poder erguer
aos olhos do meu sonho como
Aurora-ao-contrario do sexo irreal dos anjos que
nunca entraram no céu!