Viagem nunca feita


Viagem nunca feita.

E assim escondo-me atraz da porta, para que a
Realidade, quando entra, me não veja. Escondo-
-me debaixo da meza, d'onde, subitamente, prego
sustos á Possibilidade. De modo que desligo
de mim, como aos dois braços de um amplexo,
os dois grandes tedios que me apertam cingem — o tedio
de poder viver só o Real, e o tedio de
poder conceber só o Possivel.
                ─────

Triumpho assim de toda a realidade. Castellos de areia, os meus triumphos?... De
que cousa essencialmente divina são os castellos
que não são de areia?
                ─────

Como sabeis que, viajando assim, não me rejuve-
nesço obscuramente?

Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e
brinco com as idéas das cousas como com soldados
de chumbo, com os quaes eu, quando menino,
fazia cousas que embirravam com a idéa de soldado.

— Ebrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me
viver.


Identificação: bn-acpc-e-e3-5-1-85_0007_4_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (22.5cm X 17.2cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Data: 1913 (low)
Nota: , Texto escrito no recto de uma folha inteira.
Fac-símiles: BNP/E3, 5-4r.1