Semântica da Vida - Usa (BNP/E3, 5-76-77)

Sinto o tempo com uma dôr enorme


        L. do D

Sinto o tempo com uma dôr enorme.
É sempre com uma commoção
exaggerada que abandono qualquér
cousa. O pobre quarto-alugado onde
passei uns mezes, a mesa do hotel
de provincia onde passei seis dias, a propria
triste sala de espera da estação
de caminho de ferro onde gastei duas horas
á espera do comboio — sim, mas
as cousas boas da vida, quando as
abandono e penso, com toda a
sensibilidade dos meus nervos, que
nunca mais as verei e as terei,
pelo menos naquelle preciso e exacto
momento, doem-me metaphysicamente.
Abre-se-me um abysmo na alma
e um sopro frio da hora de Deus
roça-me pela face livida.

O tempo! O passado! Aí
algo, uma voz, um canto, um
perfume occasional levanta em minha
alma o panno de bôca das minhas
recordações… Aquillo que fui e


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nunca mais serei! Aquillo que
tive, e não tornarei a ter! Os
mortos! Os mortos que me
amaram na minha infancia.
Quando os evóco toda a alma
me esfria e eu sinto-me des-
terrado de corações, sósinho na
noite de mim-proprio, chorando como
um mendigo o silencio fechado
de todas as portas.