Edição Teresa Sobral Cunha - Usa Teresa Sobral Cunha(418)

Sou daquelas almas que as mulheres dizem


Sou daquelas almas que as mulheres dizem que amam e nunca reconhecem quando encontram; daquelas que, se elas as reconhecem, mesmo assim não as reconheceriam. Sofro a delicadeza dos meus sentimentos com uma atenção desdenhosa. Tenho todas as qualidades, pelas quais são admirados os poetas românticos, mesmo aquela falta dessas qualidades, pela qual se é /realmente/ poeta romântico. Encontro-me descrito (em parte) em vários romances como protagonista de vários enredos; mas o essencial da minha vida, como da minha alma, é não ser nunca protagonista.

Não tenho uma ideia de mim próprio; nem aquela que consiste em uma falta de ideia de mim próprio. Sou um nómada da consciência de mim. / Tresmalharam-se à primeira guarda os rebanhos da minha riqueza íntima/.

A única tragédia é não nos podermos conceber trágicos. Vi sempre nitidamente a minha coexistência com o mundo. Nunca senti nitidamente a minha falta de coexistir com ele; por isso nunca fui um normal.

Agir é repousar.

Todos os problemas são insolúveis. A essência de haver um problema é não haver uma solução. Procurar um facto significa não haver um facto. Pensar é não saber existir.

Passo horas, às vezes, no Terreiro do Paço, à beira do rio, meditando em vão. A minha impaciência constantemente me quer arrancar desse sossego, e a minha inércia constantemente me detém nele. Medito, então, em uma modorra de físico, que se parece com a volúpia apenas como o sussurro de vento lembra vozes, na eterna /insaciabilidade dos meus desejos vagos/, na perene instabilidade das minhas ânsias impossíveis. Sofro, principalmente, do mal de poder sofrer. Falta-me qualquer coisa que não desejo, e sofro por isso não ser propriamente sofrer.

O cais, a tarde, a maresia entram todos, e entram juntos, na composição da minha angústia. As flautas dos pastores impossíveis não são mais suaves que o não haver aqui flautas e isso lembrar-mas.

Os idílios longínquos, ao pé de riachos, doem-me esta hora análoga por dentro, (...)