Sou d'aquellas almas


L. do D.

Sou d'aquellas almas que as mulheres dizem que amam, e nunca reconhecem quando encontram; d'aquellas que, se ellas as reconhecem, mesmo assim não as reconheceriam. Soffro a delicadeza dos meus sentimentos com uma attenção desdenhosa. Tenho todas as qualidades, pelas quaes são admirados os poetas romanticos, mesmo aquella falta d'essas qualidades, pela qual se é /realmente/ poeta romantico. Encontro-me descripto, (em parte), em varios romances como protagonista de varios enredos; mas o essencial da minha vida, como da alma, é não ser nunca protagonista.

Não tenho uma idéa de mim próprio; nem aquella que consiste em uma falta de idéa de mim-próprio. Sou um nómada da consciencia de mim. / Tresmalharam-se à 1.ª guarda os rebanhos da minha riqueza intima./

A unica tragédia é não nos podermos conceber tragicos. Vi sempre nitidamente a coexistência com o mundo. Nunca senti nitidamente a minha falta de coexistir com elle; por isso nunca fui um normal.

Agir é repousar.

Todos os problemas são insoluveis. A essencia de haver um problema é não haver uma solução. Procurar um facto significa não haver um facto. Pensar é não saber existir.


Título: Sou d'aquellas almas
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: II
Número: 318
Página: 50
Nota: [7-14, ms.];