MÁXIMAS


MÁXIMAS

— Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido – tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma um facto, de a materializar e tornar exterior. Viver num doce e fluido estado de desconhecimento das coisas e de si próprio é o único modo de vida que a um sábio convém e aquece.

— Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.

— A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito.

E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio por nós é uma indelicadeza grave. O que desloca a vulgar saudação — como está? — de ser uma indesculpável grosseria é o ser ela em geral absolutamente oca e insincera.

— Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).

— Dar bons conselhos é não respeitar a faculdade de errar que Deus deu aos outros. E, de mais a mais, os actos alheios devem ter a vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça conselhos aos outros — para saber bem, ao agir ao contrário, quem somos bem nós, bem em desacordo com a Outragem.

— A única vantagem de estudar é gozar o quanto os outros não disseram.

— A arte é um isolamento. Todo o artista deve buscar isolar os outros, levar-lhes às almas o desejo de estarem sós. O triunfo supremo de um artista é quando ao ler suas obras o leitor prefere tê-las e não as ler. Não é porque isto aconteça aos consagrados; é porque é o maior tributo ☐

— Ser lúcido é estar indisposto consigo próprio. O legítimo estado de espírito com respeito a olhar para dentro de si próprio é o estado ☐ de quem olha nervos e indecisões.

— A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.


Título: MÁXIMAS
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 498
Página: 454 - 455
Nota: [7-32 e 33, ms.];
Nota: Richard Zenith edita este texto na secção "Os Grandes Trechos" (2012: 423-492).