A vida practica sempre me pareceu


A vida practica sempre me pareceu o menos commodo dos suicidios. Agir foi sempre para mim a condemnação violenta do sonho injustamente condemnado. Ter influencia no mundo exterior, alterar cousas, transpôr entes, influir em gente — tudo isto pareceu-me sempre de uma substancia mais nebulosa que a dos meus devaneios. A futilidade immanente de todas as formas da acção foi, desde a minha infancia, uma das meditações mais queridas do meu desapego até de mim.

Agir é reagir contra si próprio. Influenciar é sahir de casa.

Sempre que meditei como era absurdo que, onde a realidade substancial é uma serie de sensações, houvesse cousas tão complicadamente simples como commercios, industrias, relações sociais e familiares, tão desoladoramente incomprehensíveis perante a attitude interior da alma para com a idéa de verdade.


Título: A vida practica sempre me pareceu
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: II
Número: 355
Página: 92 - 93
Nota: [7-34, dact.];