Intertextualidade Filosófica - Usa (BNP/E3, 9-29, 94-76)

Eu não possuo o meu corpo


Eu não possuo o meu
corpo como posso eu
possuir com elle?
Eu não possuo a minha
alma — como posso possuir
com ella? — Não comprehendo
o meu espirito, como atravez d'elle
comprehender?
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aliter

As nossas sensações
passam — como pos-
suil-as pois — ou o que
ellas mostram muito me-
nos. Possue alguem
um rio que corre, per-
tence a alguem o vento
que passa?

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Não possuimos nem um corpo
nem uma verdade — nem
sequér uma illusão. Somos


phantasmas de mentiras, sombras de illusões. A
nossa vida é ôca por fóra e por dentro.


Conhece alguem as fronteiras
á sua alma, para que
possa dizer — eu sou eu?


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Mas sei que o que eu sinto, sinto-o
eu.


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Quando outro possue esse
corpo, possue n'elle o mesmo
que eu? Não. Possue outra
sensação.


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Possuimos nós alguma cousa?
Se nós não sabemos o que
somos, como sabemos nós
o que possuimos?


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Se do que comes, dissesses,
“eu possuo isto”, eu compre-
hendia-te. Porque sem
duvida o que comes, tu o
inclues em ti, tu o trans-
formas em materia tua,
tu o sentes entrar em
ti e pertencer-te. Mas
do que comes não fallas
tu de “posse”. A que
chamas tu possuir?


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Nada resta dos meus intentos senão o uni-
verso das minhas esperanças. O que fia a fiandeira?
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Prestitos suggerindo ogivas, atalhos
atravez de roupagens, hyalino
o teu sorriso esquecido... Que
de reis na tua memoria! E
ás portas da tua imaginação
que sequito sem principe te
espera? Olor a Roma. Tim-
bales lividos. Aperfeiçoam-se
os brilhos. Estacam os contornos.
Malleaveis os sulcos no teu arco


e a noite, ensopando a paysagem, é uma conquista no oriente.