L. do Des;
Intervallo Doloroso.
Tudo me cança, mesmo o
que me não cança. A minha
alegria é tão dolorosa como
a minha dôr.
Quem me dera ser uma
creança pondo barcos de
papel n'um tanque da
quinta, com um docel-rustico ∧ceu-proxi-
mo de entrelaçamentos de
parreira pondo xadrezes de
luz e sombra verde nos reflexos
sombrios da pouca agua.
Entre mim e a vida ha
um vidro tenue. Por mais
nitidamente que eu veja e
comprehenda a vida, eu não
lhe posso tocar. ∧[ileg.]
Raciocinar a minha ∧nossa tristeza?
Para que, se o raciocinio é
um esforço? e quem é triste
não pode esforçar-se.
Nem mesmo abdico d'aquelles
gestos banaes da vida de
que eu tanto quereria abdicar.
Abdicar é um esforço, e eu
não possuo o de alma com
que esforçar-me.
─────
Quantas vezes me punge o não
ser o mareante d'aquelle barco,
o cocheiro d'aquelle trem!
qualquer banal Outro supposto
cuja vida, por não ser minha,
deliciosamente se me
penetra de eu querel-a ∧e ∧se
me poetisa de alheia!
─────
Eu não teria o horror á vida
como a uma Cousa. A noção
da vida como um Todo não
me esmagaria os hombros do
pensamento.
Os meus sonhos são um refugio
estupido, como um guarda-chuva
contra um raio.
∧Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão
falho de gestos e d'actos.
─────
Por mais que por mim me
embrenhe todos os atalhos
do meu sonho vão dar
a clareiras de angustia.
─────
─────
Mesmo eu, o que sonha tan-
to, tenho intervallos em que
o sonho me foge. Então as
cousas apparecem-me nitidas.
Esvae-se a nevoa de que me
cerco. E todas as arestas visiveis
ferem a carne da minha alma. Todas
as durezas olhadas me magoam
o conhecel'as ∧o que em mim as conhece durezas.
Todos os pesos
visiveis de objectos
me pesam por a alma dentro.
────────────────────
A [minha] vida é como se me batessem
com ella.