Peristylo.
 Ás horas em que a paysagem é
 uma auréola de Vida, e o sonho
 é apenas sonhar-se, eu ergui, ó
 meu amôr, no silencio do meu desasso-
cego, este livro extranho como portões
 abertos n'uma casa ∧ao fim d'uma alameda abandonada.
 Colhi para escrevel-o a alma de
 todas as flores, e dos momentos ephemeros
 de todos os cantos de todas as aves,
 teci eternidade e estagnação. Tecedeira
        , sentei-me á janella da minha
 vida e esqueci que habitava e era, te-
cendo lençoes ∧mortalhas para o meu tedio amorta
lhar-se, nas toalhas de linho   ∧casto para
 os altares do meu silencio,         
 E eu offereço-te este livro porque sei
 que elle é bello e inutil. Nada
 ensina, nada faz crêr, nada faz sentir.
 Regato que corre para um abysmo —
 cinza que o vento espalha e nem fecunda
 nem é damninha, 
 E porque este livro é absurdo, eu o
 amo; porque é inutil, eu o quero
 dar; e porque de nada serve querer t'o
 dar, eu  t'o dou... 
 Reza por mim
 [a]o lêl-o, abençôa-
 me de ∧com amal-o e
 esquece-o como o sol de
 hoje ao sol
 de  hontem,
 (como eu esqueço a-
quellas mulheres meros
 sonhos que nunca
 soube sonhar ∧como se sonharam ) 
 Torre do Silencio das minhas ancias,
 que este livro seja o luar que te
 faz outra na noite do Mysterio Antigo!
 Rio de Imperfeição dolorida, que este
 livro seja o barco deixado ir por
 tuas aguas abaixo para nenhum mar
 que se sonhe.
  Paysagem do Alheamento e do Aban-
dono,  ∧que este livro seja teu como a tua
 Hora, e se illimite de ti como da 
  Correm rios ∧um rio, rios eternos por baixo
 da janella do meu silencio. Vejo a
 ∧outra margem  sempre e não sei porque não
 sonho estar lá, outro e feliz. Talvez
 porque só tu consolas, e só tu embalas
 e só tu unges e officias.
 Que missa branca interrompes para
 me lançar a benção de te mostrar sen-
do? Em que ponto ondeado da dança
 estacas, e o Tempo contigo, para  do
 teu parar fazeres ponte até minha alma
 e do teu sorriso purpura do meu fausto?
  Cysne de desassocego rhythmico, lyra
 de horas immortaes,  harpa incerta
 de pesares mythicos ∧— tu és a Esperada e
 a Ida, a que afaga e fere, a que
 doura de dôr as alegrias e corôa de
 rosas as tristezas.
 Que Deus te creou, que Deus odiado
 pelo Deus que se fez o mundo?
   ∧Tu não o sabes, tu não sabes que o não
 sabes, tu não queres saber nem não
 saber. Despiste de propositos a tua vida,
 nimbaste de irrealidade o teu mostrar-te,
 vestiste-te de perfeição e de intangibilidade,
 para que ∧nem as Horas te  beijassem, nem os Dias
 te sorrissem, nem as Noites te viessem pôr a 
 Desfolha, ó meu amôr  sobre mim petalas
 de melhores rosas,  de mais perfeitos
 lyrios, pétalas de  ∧crysantemos
          cheirosas á melodia do seu nome.
 E eu morrerei em mim ∧ti a tua ∧minha vida,
 ó Virgem que nenhum abraço espera, que
 nenhum beijo buscas, que nenhum pensamento ∧intenção
 desflóra ∧procura.
  
                   ─────
                     II
 Farei  ∧do sonhar-te o ser poeta, e a mi-
nha prosa  ∧talhe a tua Belleza,
 terá melodias de poema, curvas de estrophes,
 esplendores subitos  ∧como os dos versos im-
mortaes.