INTERLÚDIO DO ABDICADOR


INTERLÚDIO DO ABDICADOR

Quando o comboio largou enfim para as quatro horas que lhe /levaria/ o ir do Barreiro a Évora, verifiquei, com um solavanco do comboio, que na minha parte da carruagem não havia mais que um conviva do movimento. Num segundo olhar, sobreposto ao primeiro, medi a espécie de companheiro que seria. Satisfez-me a hipótese de conversa que surgia. Abri e desdobrei o jornal fatal e inútil, e esqueci-me de tudo, até do jornal. E assim foi que me não pesou nem interrompeu a voz que me perguntava se — naquele dia de inverno — me importaria que a janela se abrisse. Disse logo que não.

A conversa falira — voltei a pegar o jornal por bem-estar principiado sem começo.


Título: INTERLÚDIO DO ABDICADOR
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 423
Página: 350 - 351
Nota: [27(22)-V(5)-1, ms.];
Nota: Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego".