O homem, bobo da sua aspiração
O homem, bobo da sua aspiração, sombra chineza
da sua ansia inutil, segue, revoltado e
ignobil, servo das mesmas leis chimicas, no rodar
imperturbavel da terra, implacavelmente em
torno a um astro amarello, sem esperança, sem
socego, sem outro conforto que o abafo das suas illusões
da realidade e a realidade das suas illusões. Governa
stados, institue leis, gera ∧levanta guerras; deixa de si memorias
de batalhas, versos, estatuas e edificios. A terra
esfriará sem que isso valha. Extranho a isso, extranho
desde a nascença, o sol um dia, se allumiou, deixará de
allumiar; se deu vida, dará a si a morte.
Outros
systemas de astros e de satellites darão porventura
novas humanidades; outras especies de eternidades
fingidas alimentarão almas de outra especie; outras
crenças passarão em corredores longinquos da
realidade multipla. Inuteis Christos outros subirão
em vão a novas cruzes. ∧Novas seitas secretas terão na mão
os segredos da magia ou da Kabbala. E essa magia será outra,
e essa Kabbala differente. De commum a todas essas hu-
manidades e a toda essa gente só haverá a illusão de existir
e a verdade final de deixar de existir.
O amor, porque
a gloria, porque é um nome, e não basta; o poder, porque é
um esforço, e cansa;
Só as aguas dos rios
na belleza superflua das cousas inconscientes, obedecem sem
indignidade as mesmas leis fataes que compellem
o nosso cerebro servo e de que é a filha a
propria revolta contra ellas.
A blasphemia é um acto de fé. O spiritualismo é
um produto chimico. A ave, que despreza a terra,
não despreza as leis que regem a terra e o ar. Nunca
sahimos do carcere de viver, nem com a morte,
que é a vida individual das muitas de que a nossa
unidade ficticiamente se formou.
Só uma obediencia passiva, sem revoltas nem sorrisos,
tão escrava como a revolta, e tão inevitavel como a
, é o systema spiritual adequado á exteriori-
dade absoluta da nossa vida serva.