Carta


Carta

Eu não saberia nunca como ageitar a minha alma a levar o meu corpo a possuir o seu. Dentro de mim, mesmo ao pensar n'isso tropeço em obstaculos que não vejo, enredo-me em teias que não sei o que são. Que muito mais me não aconteceria se eu quizesse possuil-a realmente?

Que eu — repito-lh'o — era incapaz de o tentar fazer. Nem sequer me ageito a sonhar-me fazendo-o.

São estas, minha Senhora, as palavras que tenho a escrever á margem da significação do seu olhar involuntariamente interrogativo. É n'este livro que, primeiro, lerá esta carta para si. Se não soubér que é para si, resignar-me-hei a que assim seja. Escrevo mais para me entreter do que para lhe dizer qualquér cousa. Só as cartas commerciaes são dirigidas. Todas as outras devem, pelo menos para o homem superior, ser apenas d'elle para si-proprio.

Nada mais tenho a dizer-lhe. Creia que a admiro tanto quanto posso. Ser-me-hia agradavel que pensasse em mim ás vezes.


Título: Carta
Heterónimo: Não atribuído
Número: 87
Página: 101
Data: 1915 (low)
Nota: [5-9r];