E os dialogos nos jardins fantasticos


E os dialogos nos jardins fantasticos que contornam nada definidamente certas chavenas? Que palavras sublimes não devem estar trocando as duas figuras que se assentam no lado de lá d'aquelle bule! E eu sem ouvidos apropriados para as ouvir, morto na polychroma humanidade!

Deliciosa psychologia das cousas deveras estaticas! A eternidade tece-a e o gesto que uma figura pintada tem desdenha, do alto da sua eternidade visivel, a nossa transitoria febre, que nunca se demora nas sobras d'uma attitude nem se atarda nos portões de um gesto.

Que curioso deve ser o folk-lore do colorido povo dos paineis! Os amores das figuras bordadas  — amores de duas dimensões, d'uma castidade geometrica — devem ser ☐ para entretenimento dos psychologos ousados.

Não amamos, senão que fingimos amar. O verdadeiro amor, o immortal e inutil, pertence áquellas figuras em que a mudança não entra, por sua natureza de estaticas. Desde que eu o conheço, o japonez que se senta na convexa ☐ do meu bule não mudou ainda... Não saboreou nunca as mãos da mulher que está a um distar errado d'elle. Um colorido extincto como de um sol despejado, entornado, irrealiza eternamente as vertentes d'esse monte. E tudo aquillo obedece a um instante de pena —   pena mais fiel do que esta que inutilmente tortura a fragilidade fingida das minhas horas /exhaustas/.


Título: E os dialogos nos jardins fantasticos
Heterónimo: Não atribuído
Número: 536
Página: 493
Data: 1914 (medium)
Nota: [15B(1)-58r];
Nota: Jerónimo Pizarro edita este texto em apêndice, integrado no conjunto "Textos sem destinação certa inventariados fora do núcleo" (2010: 490-516). No verso figura uma extensa lista de cotações, datada de 8/6/1914 (Amsterdam, le 8 Juin 1914). Esta lista datilografada (15B(1)-58v - dact.), assim como várias anotações manuscritas constantes do recto da folha (15B(1)-58r - ms.) são transcritas por Jerónimo Pizarro como Anexos (1-5) ao texto 536 (2010: 1011-1013).