Para o sonhador integral


Para o sonhador integral, a Natureza é apenas o sonho que mais atentamente pode ser estudado — o sonho que dura o bastante para lhe descobrirmos regras, leis, que talvez cada outro sonhe nosso, ou o modo dos nossos sonhos íntimos tenha, tivéssemos nós tempo e faculdades, para essa ciência da /sombra/.

A Natureza não é mais real; é mais vivida que os sonhos. A Realidade é o sonho que as almas sonham em comum.

A discussão de um concílio, que isso tem de célebre, sobre se a mulher tinha alma ou não, não é para desdenhar, nem para pasmo.

Passiva em tudo, falta à mulher, logo de natureza, o que é essencialmente alma.

A mulher é um receptáculo, um /molde/ para almas; por isso tem de ter qualquer coisa da natureza de alma. Mas é tão pouco realmente alma como um pudim é a forma em que é feito. (opúsculo sobre a fêmea de sabor jesuítico, Padre Lourenço Enes).

Feminism as a sexual perversion.

Uma mulher ralada, triste, chorosa... E pensar a gente que aquele ente que é tão alma no seu choro, usa calças por baixo da saia de baixo e que, se acaso está na época da menstruação, ainda mais subvestido está!

A moral desinteressada, pela moral só, é misticismo, não é natural nem normal.


Título: Para o sonhador integral
Heterónimo: Vicente Guedes
Número: 190
Página: 179 - 180
Nota: [138A-64, ms.];
Nota: Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego". Texto retirado na edição de 2013.