Cada um de nós, na sua vida realizada


Cada um de nós, na sua vida realizada e
humana, não é senão a caricatura da
sua propria alma. Somos sempre a tra-
ducção para grotesco d'aquillo que quize-
mos ser e que porisso o intimamente somos. A
nossa vida é a nossa deselegancia, o bobo eterno
que acompanha a divina realeza da nossa alma. dos nossos sonhos.

Cada face, cada attitude, separando-se mesmo
n'elle, é uma caricatura, a caricatura d'aquillo que sonha.
Saber forçar cada rosto e cada jesto a trahir
o seu intimo caracter de caricatura —
eis o dever supremo de quem fez da sua deserção civil
para [sujar o papel com fastos de almas] [esculpir
o que nunca foi] [ na carne sangrenta de quem
é ].

Digo que ás vezes L. D. faz isto: dá-lhe um
um filho do mais [ileg.] que se pode fazer a um
caricaturista. E pelos [ileg.] mereceram os maio-
res... Assim Caricatura perfeita ha só uma — o Universo,
auto-caricatura de Deus.


Identificação: bn-acpc-e-e3-75-1-100_0181_87-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (18.6cm X 13.7cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Nota: , Texto escrito no recto de uma folha pautada. Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego". Texto retirado do corpus na edição de 2013.
Fac-símiles: BNP/E3, 75-87r.1