teste - Usa Richard Zenith(409)

Não sei porquê — noto-o subitamente


Não sei porquê — noto-o subitamente — estou sozinho no escritório. Já, indefinidamente, o pressentira. Havia em qualquer aspecto da minha consciência de mim uma amplitude de alívio, um respirar mais fundo de pulmões diversos.

É esta uma das mais curiosas sensações que nos pode ser dada pelo acaso dos encontros e das faltas: a de estarmos sós numa casa ordinariamente cheia, ruídosa ou alheia. Temos, de repente, uma sensação de posse absoluta, de domínio fácil e largo, de amplitude — como disse — de alívio e sossego.

Que bom estar só largamente! Poder falar alto connosco, passear sem estorvo de vistas, repousar para trás num devaneio sem chamamento! Toda a casa se torna um campo, toda a sala tem a extensão de uma quinta.

Os ruídos são todos alheios, como se pertencessem a um universo próximo mas independente. Somos, finalmente, reis. A isso todos aspiramos, enfim, e os mais plebeus de nós — quem sabe — com maior vigor que os de mais ouro falso. Por um momento somos pensionistas do universo, e vivemos, regulares do soldo dado, sem necessidades nem preocupações.

Ah, mas reconheço, naquele passo na escada, subindo até mim não sei quem, o alguém que vai interromper a minha solidão espairecida. Vai ser invadido pelos bárbaros o meu império implícito. Não é que o passo me diga quem é que vem, nem que me lembre o passo deste ou daquele que eu conheça. Há um mais surdo instinto na alma que me faz saber que é para aqui que vem o que sobe, por enquanto só passos, na escada que subitamente vejo, porque penso nele que a sobe. Sim, é um dos empregados. Pára, a porta ouve-se, entra. Vejo-o todo. E diz-me, ao entrar: "Sozinho, sr. Soares?" E eu respondo: "Sim, já há tempo..." E ele então diz, descascando-se do casaco com o olhar no outro, o velho, no cabide: "Grande maçada a gente estar aqui só, sr. Soares, e de mais a mais..." "Grande maçada, não há dúvida", respondo eu. "Até dá vontade de dormir", diz ele, já de casaco roto, e encaminhando-se para a secretária. "E dá", confirmo, sorridente. Depois, estendendo a mão para a caneta esquecida, reentro, gráfico, na saúde anónima da vida normal.