Saber que será má a obra


Saber que será má a obra que se
não fará nunca. Peor, porém, será a que
nunca se fizer. Aquella que se faz, ao
menos, fica feita. Será pobre mas exis-
te, como a planta mesquinha no vaso uni-
co da minha visinha aleijada. Essa plan-
ta é a alegria d'ella, e tambem por ve-
zes a minha. O que escrevo, e que reco-
nheço mau, pode tambem dar uns momentos
de distracção de peor a um ou outro es-
pirito maguado ou triste. Tanto me basta,
ou me não basta, mas serve de alguma ma-
neira, e assim é toda a vida.

Um tedio que inclue a anticipação
só de mais tedio; a pena, já, de amanhã
ter pena de ter tido pena hoje — grandes
emmaranhamentos sem utilidade nem ver-
dade, grandes emmaranhamentos...

...onde, encolhido num banco de espera da
estação apeadeiro, o meu desprezo dorme
(adormece) entre o gabão do meu desalen-
toapagamento...

... o mundo de imagens sonhadas
de que se compõe, por egual, o
meu conhecimento e a minha vida...

Em nada me pesa ou em mim dura o
escrupulo da hora presente. Tenho fome
da extensão do tempo, e quero ser eu
sem condições.


Identificação: bn-acpc-e-e3-1-1-89_0045_22_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (21.4cm X 13.7cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Datiloscrito (black-ink) : Testemunho datiloscrito a tinta preta
Data: 1929 (low)
Nota: , Texto escrito no recto de uma folha inteira.
Fac-símiles: BNP/E3, 1-22r.1