O homem vulgar, por mais dura


L. do D.

O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente, como um gato ou um cão — assim fazem os homens geraes, e assim se deve viver a vida para que possa contar a satisfacção do gato e do cão.

Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor. Se os homens soubessem meditar no mystério da vida, se soubessem sentir as mil complexidades que espiam a alma em cada pormenor da acção, não agiriam nunca, não viveriam até. Matar-se-hiam de assustados, como os que se suicidam para não ser guilhotinados no dia seguinte.


Título: O homem vulgar, por mais dura
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: II
Número: 405
Página: 150
Nota: [1-43, dact.];