Edição Teresa Sobral Cunha - Usa Teresa Sobral Cunha(356)

[FIGURAS DOS CAFÉS] Tudo ali é quebrado


Tudo ali é quebrado, anónimo e impertencente.

Vi ali grandes movimentos de ternura, que me pareceram revelar o fundo de pobres almas tristes; descobri que esses movimentos não duravam mais que a hora em que eram palavras, e que tinham raiz — quantas vezes o notei com a sagacidade dos silenciosos — na analogia de qualquer coisa com o piedoso, perdida com a rapidez da novidade da notação, e, outras vezes, no vinho do jantar do enternecido. Havia sempre uma relação sistematizada entre os humanitarismos e a aguardente de bagaço, e foram muitos os grandes gestos que sofreram do copo supérfluo ou do pleonasmo da sede.

Essas criaturas tinham todas vendido a alma a um diabo da plebe infernal, avarento de sordidezes e de relaxamentos. Viviam a intoxicação da vaidade e do ócio, e morriam molemente, entre coxins de palavras, num amarfanhamento de lacraus de cuspo.

O mais extraordinário de toda essa gente era a nenhuma importância, em nenhum sentido, de toda ela. Uns eram redactores dos principais jornais, e conseguiam não existir; outros tinham lugares públicos em vista no anuário, e conseguiam não figurar em nada da vida; outros eram poetas até consagrados, mas uma mesma poeira de cinza lhes tornava lívidas as faces párvuas, e tudo era um túmulo de embalsamados hirtos, postos, com a mão nas costas, em posturas de vidas.

Neles se intercalavam, como espaços, uns homens de mais idade, alguns com ditos de espírito pregresso, que diziam mal como os outros, e das mesmas pessoas.

Guardo do pouco tempo que me estagnei nesse exílio de esperteza mental uma recordação de bons momentos de graça franca, de muitos momentos monótonos e tristes, de alguns perfis recortados no nada, de alguns gestos dados às serventes do acaso, e, em resumo, um tédio de náusea física e a memória de algumas anedotas com espírito.

Nunca senti tanta simpatia pelos inferiores da glória pública como quando os vi malsinar por estes inferiores sem querer essa pobre glória. Reconheci a razão do triunfo porque os párias do Grande triunfavam em relação a estes, e não em relação à humanidade.