L. do D.
Reparando ás vezes no trabalho litterario abundante,
ou, pelo menos, feito de coisas extensas e completas, de
tantas creaturas que ou conheço ou de quem sei, sinto em
mim uma inveja incerta, uma admiração desprezante, um mix-
to incoherente de sentimentos mixtos.
Fazer qualquer coisa completa, inteira, seja boa ou
seja má — e, se nunca é inteiramente boa; muitas vezes não
é inteiramente má — sim, fazer uma coisa completa causa-me,
talvez, mais inveja do que outro qualquer sentimento. É
como um filho: é imperfeita como todo o ente humano, mas
é nossa como os filhos são.
E eu, cujo espirito de critica propria me não permitte
senão que veja os defeitos, as falhas, eu, que não ouso
escrever mais que trechos, bocados, excerptos do inexisten-
te, eu mesmo, no pouco que escrevo, sou imperfeito tambem.
Mais valera pois, ou a obra completa, ainda que má, que em
todo o caso é obra; ou a ausencia de palavras, o silencio
inteiro da alma que se reconhece incapaz de agir.
Penso se tudo na vida não será a degeneração
de tudo ∧(qualquer coisa). O ser não será uma
approximação — uma vespera, ou ∧uns arredores...
Assim como o Christianismo não foi senão a degenera-
ção bastarda ∧prophetica do neoplatonismo abaixado,
a judaização ∧romanização do hellenismo ∧hellenico pelo romano ∧judeu ∧judaismo,
assim nossa epocha, terrível e amarga,
é o desvio multiplo de todos os grandes
propositos, confluentes ou oppostos, de
∧cuja fallencia ∧surgiu a era com que ∧em
falliram, ∧a somma de negações em ∧com
∧que nos affirmamos.
Vivemos um entreacto com orchestra. ∧uma bibliophilia de analphabeto,
Mas que tenho eu, neste quarto andar, com todas estas
sociologias ∧civilizações? Tudo isto é-me sonho, como as princezas
da Babylonia, e o ocuparmo-nos da humanidade ∧é futil,
futil — uma archeologia do presente.
Sumir-me-hei entre a nevoa,
como um extrangeiro a tudo,
ilha humana desprendida do
sonho do mar, navio com ser
superfluo á tona de tudo.