Penso se tudo na vida não será a degeneração


Penso se tudo na vida não será a degeneração de tudo. O ser não será uma aproximação — uma véspera, ou uns arredores...

Assim como o Cristianismo não foi senão a degeneração bastarda do neoplatonismo abaixado, a judaização do helenismo pelo romano, assim nossa época, [...], é o desvio múltiplo de todos os grandes propósitos confluentes ou opostos, de cuja falência surgiu a era com que faliram.

Vivemos uma bibliofilia de analfabetos, um entreacto com orquestra.

Mas que tenho eu, neste quarto andar, com todas estas sociologias? Tudo isto é-me sonho, como as princesas da Babilónia, e o ocuparmo-nos da humanidade é fútil, fútil — uma arqueologia do presente.

Sumir-me-ei entre a névoa, como um estrangeiro a tudo, ilha humana desprendida do sonho do mar, navio com ser supérfluo à tona de tudo.


Título: Penso se tudo na vida não será a degeneração
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 86
Página: 118 - 119
Nota: [2-3, misto];