A sensação da convalescença
L. do D.
A sensação da convalescença, sobretudo se
se fez ∧mal sentir ∧sentir ∧nos nervos ∧no pensamento a doença que a precedeu, tem qualquer
coisa de alegria triste. Ha um outomno nas emoções e nos
pensamentos, ou, antes, um d'aquelles principios de pri-
mavera que, salvo que não cahem folhas, parecem, no ar
e no céu,
o outomno.
O cansaço sabe bem, e o bem que sabe
doe um pouco. Senti-mo-nos um pouco àparte da vida, ainda
que nella,
como que na varanda da casa de viver. Estamos
contemplativos sem pensar, sentimos sem emoção definivel.
A vontade socega,
pois não ha necessidade d'ella.
É então que certas memorias,
certas esperan-
ças, certos vagos desejos sobem lentamente a rampa da
consciencia,
como caminheiros vagos vistos do alto do mon-
te. Memorias de coisas futeis,
esperanças de coisas que
não fez mal que não fôssem,
desejos que não tiveram vio-
lencia de natureza ou de emissão, que nunca puderam que-
rer ser.
Quando o dia se ajusta a estas sensações,
como hoje, que, ainda que estio, está meio nublado com
azues,
e um vago vento ∧por não ser quente ∧é quasi frio, então ∧aquelle estado da
alma se accentua em que pensamos, sentimos, vivemos es-
tas impressões. Não que sejam mais claras as memorias,
as esperanças, os desejos que ∧tinhamos. Mas sen-
te-se mais, e a sua somma incerta pesa um pouco, absurda-
mente, sobre o coração.
Ha qualquer coisa de longinquo em mim neste
momento. Estou de facto à varanda da vida, mas não é bem
d'esta vida. Estou ∧por sobre ella,
e vendo-a de onde vejo.
Jaz deante de mim, descendo em socalcos e resvalamentos,
como uma ∧duma paisagem diversa, até aos fumos sobre casas bran-
cas das ∧de aldeias do valle.
Se cerrar os olhos, continúo
vendo, poisque não vejo. Se os abrir nada mais vejo, pois-
que não via. Sou todo eu uma vaga saudade, nem do passado,
nem do futuro: sou uma saudade do presente, anonyma ∧, prolixa e
∧in comprehendida.
16/7/1932.