Quanto mais alta a sensibilidade


Quanto mais alta a sensibilidade, e mais subtil a capacidade de sentir, tanto mais absurdamente vibra e estremece com as pequenas coisas. É precisa uma prodigiosa inteligência para ter angústia ante um dia escuro. A humanidade, que é pouco sensível, não se angustia com o tempo, porque faz sempre tempo; não sente a chuva senão quando lhe cai em cima.

O dia baço e mole escalda humidamente. Sozinho no escritório, passo em revista a minha vida, e o que vejo nela é como o dia que me oprime e me aflige. Vejo-me criança contente de nada, adolescente aspirando a tudo, viril sem alegria nem aspiração. E tudo isto se passou na moleza e no embaciado, como o dia que mo faz ver ou lembrar.

Qual de nós pode, voltando-se no caminho onde não há regresso, dizer que o seguiu como o devia ter seguido?


Título: Quanto mais alta a sensibilidade
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 670
Página: 542 - 543
Nota: [2-47, dact.];