Quanto mais alta a sensibilidade


L. do D.

Quanto mais alta a sensibilidade, e mais subtil a capacidade de sentir, tanto mais absurdamente vibra e extremece com as pequenas cousas. É precisa uma prodigiosa intelligencia para ter angustia ante um dia escuro. A humanidade, que é pouco sensivel, não se angustía com o tempo, porque faz sempre tempo; não sente a chuva senão quando lhe cahe em cima.

O dia baço e molle escalda humidamente. Sòsinho no escriptorio, passo em revista a minha vida, e o que vejo nella é como o dia que me opprime e me afflige. Vejo-me creança contente de nada, adolescente aspirando a tudo, viril sem alegria nem aspiração. E tudo isto se passou na molleza e no embaciado, como o dia que m'o faz ver ou lembrar.

Qual de nós póde, voltando-se no caminho onde não ha regresso, dizer que o seguiu como o devia ter seguido?


Título: Quanto mais alta a sensibilidade
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: I
Número: 129
Página: 138
Nota: [2-47, dact.];