L. do D.
Nossa Senhora do Silencio
(trecho)
Tu não és mulher.
Nem mesmo dentro
de mim evocas qualquér cousa
que eu possa sentir feminina.
É quando fallo de ti que as
palavras te chamam femea,
e as expressões te contornam
de mulher. Porque tenho de
te fallar com ternura e ∧amoroso sonho,
as palavras encontram voz para
isso apenas em te tratar como
feminina.
Mas tu, na tua vaga essencia,
não és nada. Não tens realidade,
nem mesmo uma realidade ∧só tua.
Propriamente, não te vejo, nem
mesmo te sinto. És ∧É como que um
sentimento que fosse ∧o seu proprio objecto
e pertencesse todo ao intimo de
si-proprio.
És sempre a paysagem
que eu estive quasi para poder
ver, a orla da veste que por pouco
eu não pude ver, perdido n'um
eterno Agora para além da curva
do caminho. O teu perfil é não
seres nada, e o contorno do teu
corpo irreal desata em perolas
separadas o collar da idea de
contorno. Já passaste, e já foste
e já te amei — o sentir-te pre-
sente é sentir isto.
Occupas o intervallo dos meus
pensamentos e os intersticios
Lua de memorias perdidas sobre
a negra paysagem, nitida de vazio ∧no socego, da
minha imperfeição comprehendendo-se.
O meu ser sente-te vagamente, como
se fosse um cinto teu que te sentisse.
Debruço-me sobre o teu rosto branco
nas aguas nocturnas do meu
desasocego ∧mas ∧ ∧nunca saberei se
és lua no meu ceu para que o
causes, ou ∧estranha lua submarina para
que, não sei como, o finjas.
Quem pudesse crear o Novo Olhar
com que te visse, os Novos Pensamentos
e Sentimentos que houvessem de te poder
pensar e sentir!
Ao querer tocar no teu manto
as minhas expressões cançam o esforço
estendido dos gestos de suas mãos, e
um cansaço rigido e doloroso
gela-se nas minhas palavras. Paira,
como um vôo de ave que parece
que se approxima e nunca chega, em
torno ao que eu quereria dizer de
ti, mas a materia ∧das ∧minhas phrases
não sabe imitar a substancia ∧ou do
som dos teus passos, ou do rasto dos
teus olhares, ou da côr triste e
vazia da curva dos gestos que não
fizeste nunca.