Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti que as palavras te chamam fêmea, e as expressões te contornam de mulher. Porque tenho de te falar com ternura e amoroso sonho, as palavras encontram voz para isso apenas em te tratar como feminina.
Mas tu, na tua vaga essência, não és nada. Não tens realidade, nem mesmo uma realidade /só/ tua. Propriamente não te vejo, nem mesmo te sinto. És como que um sentimento que fosse o seu próprio objecto e pertencesse todo ao íntimo de si próprio. És sempre a paisagem que eu estive quase para /poder/ ver, a orla da veste que por pouco eu não pude ver, perdido num eterno Ágora para além da curva do caminho. O teu perfil é não seres nada, e o contorno do teu corpo irreal desata em pérolas separadas o colar da ideia de contorno. Já passaste, e já foste e já te amei — o sentir-te presente é sentir isto.
Ocupas o intervalo dos meus pensamentos e os interstícios das minhas sensações. Por isso eu não te penso nem te sinto, mas os meus pensamentos são /ogivais/ de te sentir, e os meus sentimentos góticos de evocar-te.
Lua de memórias perdidas sobre a negra paisagem nítida no sossego da minha imperfeição compreendendo-se. O meu ser sente-te vagamente, como se fosse um cinto teu que te sentisse. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas nocturnas do meu desassossego, no meu saber se és lua no meu céu para que o causes, ou estranha lua submarina para que, não sei como, o finjas.
Quem pudesse criar o Novo Olhar com que te visse, os Novos Pensamentos e Sentimentos que houvessem de te poder pensar e sentir!
Ao querer tocar no teu manto, as minhas expressões cansam o esforço estendido dos gestos de suas mãos, e um cansaço rígido e doloroso gela-se nas minhas palavras. Por isso, curva um voo de ave que parece que se aproxima e nunca chega, em torno ao que eu quereria dizer de ti, mas a matéria das minhas frases não sabe imitar a substância ou do som dos teus passos, ou do rasto dos teus olhares, ou da cor triste e vazia da curva dos gestos que não fizeste nunca.