Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(257)

Nossa Senhora do Silencio


L. do D.

Nossa Senhora do Silencio

(trecho)

Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquér cousa que eu possa sentir feminina. É quando fallo de ti que as palavras te chamam femea, e as expressões te contornam de mulher. Porque tenho de te fallar com ternura e amoroso sonho, as palavras encontram voz para isso apenas em te tratar como feminina.

Mas tu, na tua vaga essencia, não és nada. Não tens realidade, nem mesmo uma realidade /só/ tua. Propriamente, não te vejo, nem mesmo te sinto. És como que um sentimento que fosse o seu proprio objecto e pertencesse todo ao intimo de si-proprio. És sempre a paysagem que eu estive quasi para (poder) ver, a orla da veste que por pouco eu não pude ver, perdido n'um eterno Agora para além da curva do caminho. O teu perfil é não seres nada, e o contorno do teu corpo irreal desata em perolas separadas o collar da idea de contorno. Já passaste, e já foste e já te amei — o sentir-te presente é sentir isto.

Occupas o intervallo dos meus pensamentos e os intersticios das minhas sensações. Porisso eu não te penso nem te sinto, mas os meus pensamentos são /opiaes/ de te sentir, e os meus sentimentos gothicos [?] de evocar-te.

Lua de memorias perdidas sobre a negra paysagem, nitida de vazio [?], da minha imperfeição comprehendendo-se. O meu ser sente-te vazante como se fosse um cinto teu que te sentisse. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas aguas nocturnas do meu desasocego, no meu saber que és lua no meu ceu para que o causes, ou estranha lua submarina para que, não sei como, o finjas.

Quem pudesse crear o Novo Olhar com que te visse, os Novos Pensamentos e Sentimentos que houvessem de te poder pensar e sentir!

Ao querer tocar no teu manto as minhas expressões cançam o esforço estendido dos gestos de suas mãos, e um cansaço rigido e doloroso gela-se nas minhas palavras. Porisso, curva [?] um vôo de ave que parece que se approxima e nunca chega, em torno ao que eu quereria dizer de ti, mas a materia das minhas phrases não sabe imitar a substancia do som dos teus passos, ou do rasto dos teus olhares, ou da côr triste e vazia da curva dos gestos que não fizeste nunca.