Leitura Crítica 1 - Usa (BNP/E3, 4-73)

Nossa Senhora do Silencio


L. do D.

Nossa Senhora do Silencio
                (trecho)

Tu não és mulher.
Nem mesmo dentro
de mim evocas qualquér cousa
que eu possa sentir feminina.
É quando fallo de ti que as
palavras te chamam femea,
e as expressões te contornam
de mulher. Porque tenho de
te fallar com ternura e amoroso sonho,
as palavras encontram voz para
isso apenas em te tratar como
feminina.

Mas tu, na tua vaga essencia,
não és nada. Não tens realidade,
nem mesmo uma realidade tua.
Propriamente, não te vejo, nem
mesmo te sinto. És É como que um
sentimento que fosse o seu proprio objecto
e pertencesse todo ao intimo de
si-proprio. És sempre a paysagem
que eu estive quasi para poder
ver, a orla da veste que por pouco
eu não pude ver, perdido n'um
eterno Agora para além da curva
do caminho. O teu perfil é não
seres nada, e o contorno do teu
corpo irreal desata em perolas
separadas o collar da idea de
contorno. Já passaste, e já foste
e já te amei — o sentir-te pre-
sente é sentir isto.

Occupas o intervallo dos meus
pensamentos e os intersticios


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das minhas sensações. Porisso eu
não te penso nem te sinto, mas
os meus pensamentos são ogivaes de te
sentir, e os meus sentimentos gothicos
de evocar-te.

Lua de memorias perdidas sobre
a negra paysagem, nitida de vazio no socego, da
minha imperfeição comprehendendo-se.
O meu ser sente-te vagamente, como
se fosse um cinto teu que te sentisse.
Debruço-me sobre o teu rosto branco
nas aguas nocturnas do meu
desasocego mas nunca saberei se
és lua no meu ceu para que o
causes, ou estranha lua submarina para
que, não sei como, o finjas.

Quem pudesse crear o Novo Olhar
com que te visse, os Novos Pensamentos
e Sentimentos que houvessem de te poder
pensar e sentir!

Ao querer tocar no teu manto
as minhas expressões cançam o esforço
estendido dos gestos de suas mãos, e
um cansaço rigido e doloroso
gela-se nas minhas palavras. Paira,
como um vôo de ave que parece
que se approxima e nunca chega, em
torno ao que eu quereria dizer de
ti, mas a materia das minhas phrases
não sabe imitar a substancia ou do
som dos teus passos, ou do rasto dos
teus olhares, ou da côr triste e
vazia da curva dos gestos que não
fizeste nunca.