L. do D.
Tu és do sexo das fórmas sonhadas, do
sexo nullo das figuras .
Mero perfil ás vezes, mera attitude
outras vezes, ∧outras gesto lento apenas —
és momentos, attitudes, espiritualiza-
das em minha(s).
Nenhum fascinio do sexo se subentende
no meu sonhar-te, sob a tua veste
vaga de madonna dos silencios
interiores. Os teus seios não são
dos que se podem pensar em beijar-se. O
teu corpo é todo elle carne-alma, mas
não é alma é corpo. ∧A materia da tua
carne não é espiritual
mas é espiritualidade. ( És a mulher
anterior á Queda, esculptura
ainda d'aquelle barro que
paraiso )
O meu horror ás mulheres reaes que
teem sexo é a estrada por onde eu
fui ao teu encontro. As da terra,
que para serem teem de
supportar o peso movediço ∧agitado de um homem —
quem as pode amar, que não se lhe des-
folhe o amôr na antevisão do prazer que
serve ao sexo enfernizado de negro? Quem
pode respeitar a Esposa sem ter de
Os idealistas falsos da vida-real
fazem versos ∧douram de poesia á Esposa, ajoelham á idéa
de Mãe... O seu idealismo ∧modo de sonhar é
uma veste que tapa, não é um
sonho que crie.
Pura, só ∧tu, Senhora dos
Sonhos, que eu posso conceber amante
sem conceber macula porque és irreal.
A ti posso-te conceber mãe, ∧adorando-o, porque nunca
te manchaste nem do horror de
seres fecundada, nem do horror
de parires.
Como não te adorar, se só tu
és adoravel? Como não te amar,
se só tu és digna do amor?
Quem sabe se sonhando-te eu não te
crio, real n'outra realidade; se não serás
minha alli, n'um outro e puro mundo,
Não sei mesmo já [se] não te amei já,
n'um vago onde cuja saudade
este meu tedio perenne
talvez seja. Talvez sejas uma saudade
minha, corpo de ausencia, presença
de Distancia, femea talvez por outras razões
que não as de sel-o.
Posso pensar-te virgem e ∧tambem mãe porque
não és d'este mundo.
∧A creança que tens nos braços nunca foi
mais nova para que houvesses de a sujar de
a ter no ventre. Nunca foste outra do que és
e como não seres virgem portanto? Posso amar-te
e ∧tambem adorar-te porque o meu amor não
te possue e a minha adoração
não te affasta.
Sê o Dia-Eterno e que os meus
poentes sejam raios do teu sol, possui-
dos ∧do-se em ti!
Sê o Crepusculo Invisivel
e que as minhas ancias e desasocegos
sejam as tintas da tua indecisão
as sombras da tua incerteza.
Sê a Noite Total, torna-te a
Noite Unica e que todo eu
me perca e me esqueça em ti, e ∧que os
meus sonhos brilhem, estrellas, no teu
corpo de ∧distancia e negação...
Seja eu as dobras do teu manto,
as joias da tua tiara, e o ouro astreo
dos anneis dos teus dedos.
Cinza na tua lareira, que importa
que eu seja pó? Janella no teu
quarto que importa que eu seja espaço?
Hora na tua clepsydra que
importa que eu passe, se por ser teu ficarei, que eu morra se por ser teu não
morrerei, que eu te perca se o perder-te
é encontrar-te?
Realizadora dos absurdos,
seguidora de frases sem nexo ∧sexo.
Que o teu silencio me embale, que
a tua me adormeça, que
o teu mero-sêr me acaricie
e me amacie e me conforte,
∧ó heraldica do Além, ó imperial
de Ausencia; ∧Virgem-Mãe de todos os ∧Silencios,
∧ ∧Lareira das
almas que teem frio,
Anjo da guarda dos abandonados
Paysagem
humana — irreal
de triste — eterna
Perfeição.