Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(417)

Não creio alto na felicidade dos animaes


L. do D.

Não creio alto na felicidade dos animaes, senão quando me appetece fallar nella para moldura de um sentimento que a sua supposição saliente. Para se ser feliz é preciso saber-se que se é feliz. Não ha felicidade em dormir sem sonhos, senão sòmente em se dispertar sabendo que se dormiu sem sonhos. A felicidade está fóra da felicidade.

Não ha felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixal-a atraz. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir.

Só o absoluto de Hegel conseguiu, em paginas, ser duas coisas ao mesmo tempo. O não-ser e o ser não se fundem e confundem nas sensações e razões da vida: excluem-se, por uma synthese às avessas.

Que fazer? Isolar o momento como uma coisa e ser feliz agora, no momento em que se sente a felicidade, sem pensar senão no que se sente, excluindo o mais, excluindo tudo. Enjaular o pensamento na sensação, (...)

o claro sorriso materno da terra cheia, o splendor fechado das trevas altas, (...)

É esta a minha crença, esta tarde. Amanhã de manhã não será esta, porque amanhã de manhã serei já outro. Que crente serei amanhã? Não o sei, porque era preciso estar já lá para o saber. Nem o Deus eterno em que hoje creio o saberá amanhã nem hoje, porque hoje sou eu e amanhã elle talvez já não tenha nunca existido.