Chove muito, mais, sempre mais...


        L. do D

Chove muito, mais, sempre mais...
Há como que uma cousa que vae
desabar no exterior negro...

Todo o amontoado irregular e
montanhoso da cidade parece-me
hoje uma planicie, uma planicie
de chuva. Por onde quer que alongue os olhos tudo é côr de chuva, negro-pallido.

Tenho sensações estranhas, todas ellas
frias. Ora me parece que a paysa-
gem essencial é a bruma, e que as
casas é que são a bruma que a vela.

Uma especie de anteneurose preneurose do que
serei quando já não fôr gela-me corpo e
alma. Uma como que lembrança da minha morte
futura arrepia-me de dentro. N'uma
nevoa de intuição sinto-me, materia morta, cahido
na chuva, gemido pelo vento,


E o frio do que não sentirei morde o
coração actual.

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M. Alves.

A sua incomprehensão da vida era
como que uma incomprehensão physica.
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      Uma Tarde Clerical
Falei tensamente e de repente:
— E o padre acredita realmente n'isso
tudo?
Pus-me de deante d'elle e
tentei encaral-o, mas não o consegui:
Elle desviou o olhar do meu e fui fitado, com um sorriso
illegivel, que [ileg.] de uma [ileg.] enquanto o que
devia[?] ser naturalmente a curva[?] [ileg.]
dos mortos affastados esperando á distancia


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Identificação: bn-acpc-e-e3-5-2-85_0004_2v_t24-C-R0150 | bn-acpc-e-e3-5-2-85_0003_2_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (20.8cm X 13.5cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Data: 1913 (low)
Nota: LdoD, Texto escrito no recto de uma folha de papel quadriculado (13,5 x 20,8 cms). A frente contém um texto intercalado: "M[arcos] Alves. A sua incomprehensão da vida era como que uma incomprehensão physica". O verso contém um texto adicional intitulado "Tarde Clerical".
Fac-símiles: BNP/E3, 5-2r.1 , BNP/E3, 5-2r.2