Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(380)

O Major


L. do D.

8-10-1919
O Major

Nada há que tão intimamente revele, que tão completamente interprete a substancia do meu infortunio nato como o typo de devaneio que, na verdade mais acarinho, o balsamo que com mais intima frequencia escolho para a minha angustia de existir. O resumo da essencia do que desejo é só isto — dormir a vida. Quero de mais à vida, para que a possa desejar vida; quero de mais a não viver para ter sobre a vida um anseio demasiado importuno.

Assim, é este, que vou deixar escripto, o melhor dos meus sonhos preferidos. À noite, às vezes, com a casa quieta porque os domnos sahissem ou se calem, fecho as vidraças da minha janella, tapo-as com as pesadas portas; [...] num fato velho, aconchego-me na cadeira profunda, e prendo-me no sonho de que sou um major reformado n'um hotel de provincia, à hora de depois de jantar, quando elle seja, com um outro mais sóbrio, o conviva lento que ficou sem razão.

Supponho-me nascido assim. Não me interessa a juventude do major reformado, nem os postos militares por onde subiu até aquelle meu anseio. Independente do Tempo e da Vida, o major que me supponho não é posterior a nenhuma vida que tivesse, não tem, nem teve parentes; existe eternamente àquelle viver [?] d'aquelle hotel provinciano, cansado já de conversas de anedotas que teve com os parceiros na demora.